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Bolas, motos e computadores

Por Maria Eduarda Rocha


“Bom dia!”, “Bom dia, Diego!”. Grande parte dos estudantes da Escola de

Comunicação, Artes e Design – Famecos, PUCRS, já iniciaram a manhã com esse

acolhedor diálogo. Diego Silveira Lucas, 31 anos, é funcionário da instituição e faz questão

de cumprimentar os estudantes todos os dias. Sua principal função é administrar a entrada

dos alunos no laboratório do 1º andar, além de fazer o suporte técnico dos computadores e

auxiliar os docentes. Mas, as capacidades de Diego vão além. Ele também é um ótimo

conselheiro, fiscalizador de organização e um grande pai para o Pedro Lucas, 4 anos.


Essa era a rotina de Diego até o dia 16 de março de 2020. Nesse dia, a PUCRS

suspendeu as aulas presenciais e passou todo o sistema de ensino para a modalidade EAD

como forma de prevenir a propagação do novo coronavírus. A partir daí, seu trabalho é

comparecer às reuniões virtuais, responder aos e-mails da Famecos e ir à universidade em

dias específicos para entregar notebooks aos alunos. Diego não teve redução salarial, nem

férias antecipadas. O maior desafio dele a partir daquele momento estava fora da PUCRS.


Enfrentando o isolamento social, com os cuidados necessários para evitar a

contaminação da Covid-19, o jovem deu uma nova utilidade para a moto que usava para ir

ao trabalho. Desde o início da quarentena, Diego é pai, esposo e motoboy! Formado em

Educação Física (licenciatura) pela PUCRS, ele aproveitou todo o espírito de professor e

esportista para fazer entregas pelos aplicativos UberEats e iFood, três vezes por semana.

“Saio às 16h para pegar a demanda do café da tarde e janta. Fico até umas 22h na rua. Ou

saio às 10h da manhã para o almoço e volto para casa à noite, por volta das 20h”. Morador

de Viamão, Diego vai à capital para fazer as entregas.


Os novos trabalhos não pararam por aí. Durante dez dias, Diego trabalhou na

construção civil, na empresa do cunhado. “Com a pandemia, ele teve que dispensar muita

gente. Como eu não trabalho na área, ele me pagava menos pelo serviço. Era até uma

ajuda para ele”.


A busca por novos tipos de trabalho teve uma motivação principal: compensar a

queda de renda no negócio familiar, a Estética Look Hair, situada em Porto Alegre. “Foi um

dinheiro extra, mas com necessidade”, explica. Diego e a esposa, Loide Lucas, são donos

do estabelecimento desde 2015. O avanço do isolamento social para evitar a contaminação

da Covid-19 fez com que recebessem menos clientes.


Preocupados com a pandemia, o casal manteve a estética fechada por um tempo,

seguindo as recomendações governamentais. Depois de um mês do decreto assinado pelo

prefeito Nelson Marchesan, o negócio voltou a funcionar com restrições, mas as

dificuldades continuaram. “O movimento representa apenas 20% do que era antes da

quarentena. Mas as contas não deixam de chegar”, explica Diego. Loide é responsável por

administrar o negócio presencialmente, enquanto Diego assume a parte financeira, como

pagamento de funcionários e contas. “A estética tem uma demanda grande de aluguel,

água, luz”. As despesas eram cobradas mesmo quando o estabelecimento estava fechado.


A pandemia não mudou apenas o trabalho. A vida pessoal e saúde mental de Diego

também tiveram impacto. Uma das atividades que mais sente falta é de jogar futebol com os

amigos no domingo. Como educador físico, ele reconhece a falta que a prática faz para o

corpo e para as relações pessoais. “Acaba atingindo o psicológico e até a forma de agir.

Porque tu ficas cansado, o stress acumula”. Mas, o que deixa o professor mais apreensivo é

o medo de expor a família à doença, e ao mesmo tempo, saber que seu sustento pode estar

em risco.


Para manter a saúde emocional em meio à pandemia, Diego experimentou novos

hobbys. “Desde que casei, nunca tinha pegado numa tinta. Mas, nessa quarentena, pintei o

portão de casa inteiro, que é bem grande. Isso espaireceu minha cabeça”.


Dentro de casa, o que mais mudou foi a rotina. Para Diego, a melhor parte do

isolamento é ter mais tempo com a família. “Antes eu passava 6 horas com o meu filho, hoje

eu passo o dia inteiro. São situações que estão me trazendo aprendizado”. Até o ano

passado, o motoboy dedicava a maior parte do dia para o curso de Educação Física e para

o trabalho. Agora, está ensinando o filho, Pedro, a jogar videogame, assistindo séries com a

esposa, e até adotou um cachorro! “Sempre quis que o Pedro convivesse com um

cachorrinho. Agora o Max está aqui em casa! Pedro escolheu o nome”.


A prioridade da família Lucas é a saúde de todos. Porém, as incertezas pesam,

especialmente pela Estética, que precisa de clientes. Diego se diz apreensivo com a

situação do negócio: “É um sonho que pode estar se acabando”. Depois da quarentena, ele

não pretende continuar com o trabalho de motoboy e construção civil. A expectativa é de

que tudo volte à normalidade. “Sinto falta do cotidiano e da certeza de que manteria o meu

sustento”.

 
 
 

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