Bolas, motos e computadores
- isoladosproj
- 2 de jun. de 2020
- 3 min de leitura
Por Maria Eduarda Rocha
“Bom dia!”, “Bom dia, Diego!”. Grande parte dos estudantes da Escola de
Comunicação, Artes e Design – Famecos, PUCRS, já iniciaram a manhã com esse
acolhedor diálogo. Diego Silveira Lucas, 31 anos, é funcionário da instituição e faz questão
de cumprimentar os estudantes todos os dias. Sua principal função é administrar a entrada
dos alunos no laboratório do 1º andar, além de fazer o suporte técnico dos computadores e
auxiliar os docentes. Mas, as capacidades de Diego vão além. Ele também é um ótimo
conselheiro, fiscalizador de organização e um grande pai para o Pedro Lucas, 4 anos.
Essa era a rotina de Diego até o dia 16 de março de 2020. Nesse dia, a PUCRS
suspendeu as aulas presenciais e passou todo o sistema de ensino para a modalidade EAD
como forma de prevenir a propagação do novo coronavírus. A partir daí, seu trabalho é
comparecer às reuniões virtuais, responder aos e-mails da Famecos e ir à universidade em
dias específicos para entregar notebooks aos alunos. Diego não teve redução salarial, nem
férias antecipadas. O maior desafio dele a partir daquele momento estava fora da PUCRS.
Enfrentando o isolamento social, com os cuidados necessários para evitar a
contaminação da Covid-19, o jovem deu uma nova utilidade para a moto que usava para ir
ao trabalho. Desde o início da quarentena, Diego é pai, esposo e motoboy! Formado em
Educação Física (licenciatura) pela PUCRS, ele aproveitou todo o espírito de professor e
esportista para fazer entregas pelos aplicativos UberEats e iFood, três vezes por semana.
“Saio às 16h para pegar a demanda do café da tarde e janta. Fico até umas 22h na rua. Ou
saio às 10h da manhã para o almoço e volto para casa à noite, por volta das 20h”. Morador
de Viamão, Diego vai à capital para fazer as entregas.
Os novos trabalhos não pararam por aí. Durante dez dias, Diego trabalhou na
construção civil, na empresa do cunhado. “Com a pandemia, ele teve que dispensar muita
gente. Como eu não trabalho na área, ele me pagava menos pelo serviço. Era até uma
ajuda para ele”.
A busca por novos tipos de trabalho teve uma motivação principal: compensar a
queda de renda no negócio familiar, a Estética Look Hair, situada em Porto Alegre. “Foi um
dinheiro extra, mas com necessidade”, explica. Diego e a esposa, Loide Lucas, são donos
do estabelecimento desde 2015. O avanço do isolamento social para evitar a contaminação
da Covid-19 fez com que recebessem menos clientes.
Preocupados com a pandemia, o casal manteve a estética fechada por um tempo,
seguindo as recomendações governamentais. Depois de um mês do decreto assinado pelo
prefeito Nelson Marchesan, o negócio voltou a funcionar com restrições, mas as
dificuldades continuaram. “O movimento representa apenas 20% do que era antes da
quarentena. Mas as contas não deixam de chegar”, explica Diego. Loide é responsável por
administrar o negócio presencialmente, enquanto Diego assume a parte financeira, como
pagamento de funcionários e contas. “A estética tem uma demanda grande de aluguel,
água, luz”. As despesas eram cobradas mesmo quando o estabelecimento estava fechado.
A pandemia não mudou apenas o trabalho. A vida pessoal e saúde mental de Diego
também tiveram impacto. Uma das atividades que mais sente falta é de jogar futebol com os
amigos no domingo. Como educador físico, ele reconhece a falta que a prática faz para o
corpo e para as relações pessoais. “Acaba atingindo o psicológico e até a forma de agir.
Porque tu ficas cansado, o stress acumula”. Mas, o que deixa o professor mais apreensivo é
o medo de expor a família à doença, e ao mesmo tempo, saber que seu sustento pode estar
em risco.
Para manter a saúde emocional em meio à pandemia, Diego experimentou novos
hobbys. “Desde que casei, nunca tinha pegado numa tinta. Mas, nessa quarentena, pintei o
portão de casa inteiro, que é bem grande. Isso espaireceu minha cabeça”.
Dentro de casa, o que mais mudou foi a rotina. Para Diego, a melhor parte do
isolamento é ter mais tempo com a família. “Antes eu passava 6 horas com o meu filho, hoje
eu passo o dia inteiro. São situações que estão me trazendo aprendizado”. Até o ano
passado, o motoboy dedicava a maior parte do dia para o curso de Educação Física e para
o trabalho. Agora, está ensinando o filho, Pedro, a jogar videogame, assistindo séries com a
esposa, e até adotou um cachorro! “Sempre quis que o Pedro convivesse com um
cachorrinho. Agora o Max está aqui em casa! Pedro escolheu o nome”.
A prioridade da família Lucas é a saúde de todos. Porém, as incertezas pesam,
especialmente pela Estética, que precisa de clientes. Diego se diz apreensivo com a
situação do negócio: “É um sonho que pode estar se acabando”. Depois da quarentena, ele
não pretende continuar com o trabalho de motoboy e construção civil. A expectativa é de
que tudo volte à normalidade. “Sinto falta do cotidiano e da certeza de que manteria o meu
sustento”.
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