Vende-se coragem
- isoladosproj
- 19 de jun. de 2020
- 3 min de leitura
Por Joana Fontana
O medo tomou conta das ruas. Das salas de aula. Das casas. Do mundo. E o pior de tudo: tomou conta das nossas almas. Não damos nem um passo sem insegurança. Até uma simples ida ao supermercado é motivo de pânico. Para Ana Carolina Dalla Vecchia não é diferente. Estudando para passar no vestibular de medicina, teme agora muito mais do que ser reprovada nas provas.
A escolha da carreira veio durante o ensino médio. Ao longo de grande parte da infância e adolescência, quis cursar teatro. A vida desestimulou esse sonho, mas somente para lançar um desafio ainda maior. Nos últimos anos de escola, ficou dividida entre a psicologia e a medicina. Até que seu avô foi diagnosticado com Alzheimer. Com vontade de entender mais e fazer algo para ajudar, descobriu sua verdadeira vocação.
No ano passado, a interiorana de Encantado-RS se mudou para Porto Alegre-RS para iniciar seus estudos em um cursinho pré-vestibular. Um ano em que precisou recomeçar. Mudar de cidade, mudar por dentro. Fez novos amigos, conheceu novos ares e desenvolveu novos hábitos. As responsabilidades aumentaram. Os sentimentos não ficaram de fora. Nasceram. Cresceram. Viraram monstros que assombravam sua vida. “Desenvolvi ansiedade, porque estava longe de todo mundo, em um lugar novo”. Apesar disso, manteve os estudos e, com o tempo, acostumou - e passou a amar - a nova fase.
E então, a pandemia do coronavírus chegou ao Brasil. E também as aulas virtuais. E a prova do ENEM. A lista de preocupações, que já era grande, redobrou para todos os estudantes. Ana Carolina defende o adiamento da prova, pois considera o mais justo, já que a precariedade do ensino público ficou escancarada nesse período. Mas, ao mesmo tempo, acha agonizante. Surgem muitas dúvidas. “Para mim, é uma incerteza geral, sobre a data, sobre o que vai acontecer. Vamos usar máscaras? Vamos fazer com distanciamento de mesas? Vai poder acontecer sem se estender até março? Agora o ministro saiu né, o que vai ser do ENEM?” Os inscritos terão ainda que votar na data que acham melhor para a realização do exame. Mais pressão. Tudo isso afeta diretamente na saúde mental dos vestibulandos e, principalmente, de Ana Carolina.
A jovem relata que sentiu seu nível de ansiedade aumentar muito durante essa turbulência que chamamos de 2020. Para não passar por este período sozinha, ela voltou a morar na casa dos pais. Mais uma mudança, mais um fator estressante para a lista. “Eu preciso me distrair para me acalmar”, conta. Começou a caminhar mais, a meditar mais e a chorar mais. As lágrimas lavam a alma abatida e as conversas com a mãe e o namorado curam as feridas do isolamento. O inestimável valor às coisas simples aflorou. Até o caminho a pé de casa ao cursinho se tornou apreciável. É, Ana, somente quando somos privados de algo, que realmente percebemos o quanto precisamos disso. Às vezes falta uma parte para o dia ser melhor, como ouvir os pássaros ou dizer oi para o padeiro da esquina, talvez. Às vezes a parte que falta, é dentro de nós. E isso, só o tempo pode curar.
O medo atrapalha até os estudos. Maldito sentimento. O futuro assusta. O incerto apavora. Ficamos presos em uma espiral do medo, e se livrar dele parece impossível. Está nos sonhos, no amanhã, no planejamento. Parece aquela peça de roupa preferida, que mesmo velha teimamos em usar. Sabemos que não está boa, mas o conhecido é um medo a menos.
O essencial, porém, é aceitar os dias ruins. Ana Carolina já entendeu isso. Encara a vida com um sorriso no rosto. Com coragem suficiente para engarrafar e vender. Tem dias que se sente uma heroína, capaz de tudo. Tem dias que a vontade de se enterrar nas cobertas e nunca mais levantar da cama é maior que tudo. O período pede calma. Respeito. Consigo e com os outros. “Tem dias que eu não faço absolutamente nada e isso costumava me deixar mal. Mas agora eu estou aceitando esse ‘absolutamente nada’ às vezes. Tudo é complicado de administrar nessa pandemia”.
E está tudo bem. E se não está, vai ficar. O medo pode não passar, mas a esperança de dias melhores também não vai.
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