GURI DE 71
- isoladosproj
- 10 de jun. de 2020
- 3 min de leitura
Por Daniel Castro
Valioso. De valor inestimável. É o significado de seu nome. Talvez, esteja aí a
razão da sua polivalência. Tranquilo demais. Demais também é a experiência
do professor da faculdade de Jornalismo da PUCRS. Sempre ligado à cultura,
foi convidado em 2018 para a presidência de um símbolo gaúcho: o Theatro
São Pedro. Substituiu a matriarca Eva Sopher, a guardiã do monumento
portoalegrense. “Fui secretário dela e, mais tarde, indicado para a direção do
Theatro em 1972. Aprendi a ter um respeito enorme pela Dona Eva”.
Antes disso, o jornalista foi também vice-governador do estado do Rio Grande
do Sul. Tantas profissões. Quem sabe ele seja grande demais para uma única
função. Jogar nas 11 com setenta e uma primaveras nas costas é somente
para os mais afoitos e mais sábios. “Eu gosto muito de dar aula. Acho que a
gente ficando mais velho tem até mais simpatia e tranquilidade para lidar com a
“gurizada”. A gíria gaúcha também fala sobre bastante sobre Antonio. O que
transparece é a sua jovialidade. Não física – aliás, depois do setenta, “guri”
ninguém é – mas de espírito. As preocupações são poucas, porque a ocupação
é muita. “Tem tanta coisa pra fazer que eu te confesso que não tenho tempo
para ficar com stress”. Seria possível clonar essa mentalidade em escassez?
O isolamento também fere os mais seguros. É uma verdade incontestável. O
que mais machuca Hohlfeldt é também a angústia de todos nós. “Falta de nos
reunirmos com as pessoas. Tenho ficado restrito com minha esposa e a família
do meu filho, mas agora ele já voltou a trabalhar. Não iremos mais nos
encontrar. Sou grupo de risco.” Dói, porque toda despedida não tem hora pra
acabar. O “até logo” é sempre um possível “adeus”. A privação de um abraço é
um sufoco interminável, um labirinto na escuridão. Antonio recorda, entretanto,
de agradecer a um aliado nesse momento enlouquecedor. “Como foi
importante a existência dessas tecnologias que permitem nos aproximarmos à
distância”. Como seria uma pandemia tão alarmante lá nos meados dos anos
80? Como haveria as aulas da faculdade? Sem falar que, indubitavelmente,
alguém já teria morrido de saudade. Além disso, o professor sinaliza que o
encontro entre gerações está sendo inevitável e de grande aprendizado. “Os
mais velhos tiveram que aprender com os mais novos. Gente que havia sido
meu aluno, passaram a ser meus colegas e, agora, passaram a me ensinar,
especialmente sobre as tecnologias. É um aprendizado bonito. Sempre temos
o que aprender”.
Como curar a sede insaciável de um aficionado pela arte? A distância das
salas de cinema e teatro também foram encurtadas pela modernidade. “Eu
aumentei o consumo de filmes no Netflix para compensar. Também chegam
pequenos vídeos para mim através do Whatsapp, pequenas peças musicais e de teatro, que eu jamais conheceria se não fosse a pandemia.” Fatores de
esperança em tempos estranhos...
Sobre a saúde mental, Antonio também mantém a serenidade. “No começo (da
pandemia), eu não estava dormindo muito bem conforme eu costumava. Hoje
em dia, confesso que já estou legal. Deito pela meia-noite e acordo pelas seis
da manhã”. Mesmo assim, há um motivo para a insônia. Um estresse bem
claro e pontual. “A estupidez do Bolsonaro. Acho que a gente está tendo um
desgoverno. Felizmente, boa parte dos governadores tem sido competentes”.
A realidade soa como um trem descarrilhado que ainda não vê a linha de
chegada. Perder o tato de saber onde estamos e para onde vamos. Momento
singular que faz nos confrontar com as próprias sombras. Não há mais para
onde correr. As cidades estão mais cinzas. O vírus no ar amedronta menos que
os sorrisos escondidos por trás das máscaras. No fim, será que existe uma
grande lição? Para o protetor do São Pedro, foram muitas, mas a que mais
ecoa vem no fim da sua prosa. “A humildade. O quão somos pequenininhos
perto do meio ambiente. Eu me lembro dos filmes de ficção científica em que
os alienígenas chegam à Terra e espalham um vírus. Foi o que os próprios
seres humanos fizeram”. Obra nossa, professor. A humanidade ainda é uma
criança. Teimosa, mas cheia de esperança.
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