top of page

GURI DE 71

Por Daniel Castro

Valioso. De valor inestimável. É o significado de seu nome. Talvez, esteja aí a

razão da sua polivalência. Tranquilo demais. Demais também é a experiência

do professor da faculdade de Jornalismo da PUCRS. Sempre ligado à cultura,

foi convidado em 2018 para a presidência de um símbolo gaúcho: o Theatro

São Pedro. Substituiu a matriarca Eva Sopher, a guardiã do monumento

portoalegrense. “Fui secretário dela e, mais tarde, indicado para a direção do

Theatro em 1972. Aprendi a ter um respeito enorme pela Dona Eva”.


Antes disso, o jornalista foi também vice-governador do estado do Rio Grande

do Sul. Tantas profissões. Quem sabe ele seja grande demais para uma única

função. Jogar nas 11 com setenta e uma primaveras nas costas é somente

para os mais afoitos e mais sábios. “Eu gosto muito de dar aula. Acho que a

gente ficando mais velho tem até mais simpatia e tranquilidade para lidar com a

“gurizada”. A gíria gaúcha também fala sobre bastante sobre Antonio. O que

transparece é a sua jovialidade. Não física – aliás, depois do setenta, “guri”

ninguém é – mas de espírito. As preocupações são poucas, porque a ocupação

é muita. “Tem tanta coisa pra fazer que eu te confesso que não tenho tempo

para ficar com stress”. Seria possível clonar essa mentalidade em escassez?


O isolamento também fere os mais seguros. É uma verdade incontestável. O

que mais machuca Hohlfeldt é também a angústia de todos nós. “Falta de nos

reunirmos com as pessoas. Tenho ficado restrito com minha esposa e a família

do meu filho, mas agora ele já voltou a trabalhar. Não iremos mais nos

encontrar. Sou grupo de risco.” Dói, porque toda despedida não tem hora pra

acabar. O “até logo” é sempre um possível “adeus”. A privação de um abraço é

um sufoco interminável, um labirinto na escuridão. Antonio recorda, entretanto,

de agradecer a um aliado nesse momento enlouquecedor. “Como foi

importante a existência dessas tecnologias que permitem nos aproximarmos à

distância”. Como seria uma pandemia tão alarmante lá nos meados dos anos

80? Como haveria as aulas da faculdade? Sem falar que, indubitavelmente,

alguém já teria morrido de saudade. Além disso, o professor sinaliza que o

encontro entre gerações está sendo inevitável e de grande aprendizado. “Os

mais velhos tiveram que aprender com os mais novos. Gente que havia sido

meu aluno, passaram a ser meus colegas e, agora, passaram a me ensinar,

especialmente sobre as tecnologias. É um aprendizado bonito. Sempre temos

o que aprender”.


Como curar a sede insaciável de um aficionado pela arte? A distância das

salas de cinema e teatro também foram encurtadas pela modernidade. “Eu

aumentei o consumo de filmes no Netflix para compensar. Também chegam

pequenos vídeos para mim através do Whatsapp, pequenas peças musicais e de teatro, que eu jamais conheceria se não fosse a pandemia.” Fatores de

esperança em tempos estranhos...


Sobre a saúde mental, Antonio também mantém a serenidade. “No começo (da

pandemia), eu não estava dormindo muito bem conforme eu costumava. Hoje

em dia, confesso que já estou legal. Deito pela meia-noite e acordo pelas seis

da manhã”. Mesmo assim, há um motivo para a insônia. Um estresse bem

claro e pontual. “A estupidez do Bolsonaro. Acho que a gente está tendo um

desgoverno. Felizmente, boa parte dos governadores tem sido competentes”.


A realidade soa como um trem descarrilhado que ainda não vê a linha de

chegada. Perder o tato de saber onde estamos e para onde vamos. Momento

singular que faz nos confrontar com as próprias sombras. Não há mais para

onde correr. As cidades estão mais cinzas. O vírus no ar amedronta menos que

os sorrisos escondidos por trás das máscaras. No fim, será que existe uma

grande lição? Para o protetor do São Pedro, foram muitas, mas a que mais

ecoa vem no fim da sua prosa. “A humildade. O quão somos pequenininhos

perto do meio ambiente. Eu me lembro dos filmes de ficção científica em que

os alienígenas chegam à Terra e espalham um vírus. Foi o que os próprios

seres humanos fizeram”. Obra nossa, professor. A humanidade ainda é uma

criança. Teimosa, mas cheia de esperança.

 
 
 

Comments


©2020 por Isolados. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page