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Peixe Peixoto


Por Daniel Castro.



Dentro d’água, ele desbrava a vida. A determinação é de um tubarão

branco. Desde muito novo, mais precisamente aos seis anos, é obstinado pelo

amor da braçada e do movimento síncrono das pernas. H20 é a fórmula que

propicia o elixir da vida humana, mas Lucas foi mais além. Fez dela o seu lar e

sucesso. Sem barbatanas, trouxe medalhas de competições internacionais

para casa. Que longa trajetória tem pela frente.


“Eu amo, mas me estressa” - o ônus de quem trabalha com aquilo que

traz realização. Em seguida, um “sou privilegiado”. O cotidiano omite, muitas

vezes, a noção de realidade. A ambição é fator crucial na vida para qualquer

êxito, mas ela também tem uma sombra: a bolha. A zona de conforto troca

juras de amor com a cegueira. E não. Não é exclusividade do garoto de 19

anos. Aliás, de garoto, só a idade numérica. A voz encorpada e o perfil

remontam um homem experiente. Talvez, seja por isso que ele sobe em cima

do muro para enxergar a vastidão do horizonte com suas tamanhas

imperfeições. Toma essa atitude num momento emblemático de isolamento

social. “Eu ficava puto quando não funcionava bem o aquecimento da piscina

que eu treinava. Agora, treino na piscina do meu prédio, água totalmente

gelada e 10 vezes menor”. O lamento de quem não vê nem os amigos, nem

avós é duro e sincero.


De Porto Alegre para Minas Gerais. Na pandemia, do pão de queijo ao

chimarrão. Por tempo indefinido, salário reduzido e a nova – ou velha – vida

com os pais. O gasto menor com supérfluos ajuda a manter as contas em dia.

A boa ação da dona do apartamento que Lucas aluga, reduzindo o valor do

aluguel, também alivia. O que mudará depois que isso passar? Para ele, a

resposta é curta: empatia. “Não só na questão de saúde e doença, mas pensar

mais no próximo de maneira geral”.


Jornalistas, antes de trazerem respostas, fazem perguntas. Se for isso

que restará de nós, haveria então um amanhã mais bonito nos aguardando

pós-pandemia?


A convicção de Lucas, armada de esperança, diz que sim. Para dispor

de confiança, é indispensável um certo equilíbrio emocional. A terapia que ele

desenvolve desde os 12 anos deixa as digitais na fé emanada. “Comecei por

um motivo e acabei continuando por outros”. A separação dos pais foi o berço.

Bem resolvida a questão, decidiu persistir pela ansiedade intensa que tinha

mais novo quando ia nadar. Aos 15, curou o bloqueio mental que o impedia de

executar o que vinha treinando a duras penas. Na quarentena, entretanto,

sucumbiu a uma forte crise. O tempo ocioso com doses de pensamentos

destrutivos é a receita certa do veneno. “Há uns três dias me deu uma

ansiedade muito forte. Lembrei de como estava minha vida lá em Minas. Agora,

estou aqui, perdi o ritmo...”. Como na música, o ritmo da rotina dita o compasso

melódico da vida. Se é assim para ele, seguro emocionalmente, como devem

estar os mais desequilibrados?


Em algumas falas mais mansas, o jovem nadador deixa transparecer um

conjunto antagônico de sentimentos entre a preocupação e a gratidão. O

primeiro pelos seus familiares e amigos; o segundo por não ter perdido nenhum

deles para o Covid-19. “A vida é frágil”. Até demais, Lucas. A vida é um

amontado de segundos que se sucedem de maneira desalinhada. Diante do

próximo instante, tudo pode desabar. Na fragilidade, todavia, forja-se a força

inesperada, a motivação desconhecida. Nela, reencontramos o Norte e o

motivo de sair da cama. Os dias são mais coloridos quando se luta por um

sonho. “Ir para as olimpíadas e ser medalhista.” É isso que move o mundo do

gaúcho meio mineiro.


Do que vale a vida sem a liberdade? Nas entrelinhas, Lucas deixa

escapar a saudade do simples. A conversa com os amigos, o cinema, o ar puro

da rua. Bênçãos de uma vida livre. Agora, restrita. No fim, os maiores bens são

invisíveis. Não os tocamos, mas padecemos na ausência. A felicidade, o

oxigênio e assim por diante. “A gente não tem controle do que está

acontecendo, então é preciso se adaptar”. O desabafo em uma simples frase

do diálogo, mas que remonta a história do ser-humano.


A capacidade de adaptação foi o que nos trouxe até aqui enquanto

espécie. Pelo menos, é assim que compreendeu Darwin através da seleção

natural. Adaptar para sobreviver. É nossa única saída. Dando as mãos,

confiando no sol após a tempestade. Aqueles e aquelas que não jogaram a

toalha são nossos líderes nesse momento. É o caso do “peixe”. Peixoto. Lucas

Peixoto.

 
 
 

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